« Voltar

Phew

Vulto lendário da música japonesa, cujo grito libertador remonta aos primórdios do punk em terras do sol nascente, Hiromi Moritani recorre numa existência de culto – se é que o termo ainda se coloca nesta era de acessos – cuja sombra se abate ao longo de mais de quatro idiossincráticas décadas de trabalho ponderado e sempre intrigante. Voz única, aqui num sentido igualmente literal, que a partir de 1979 rasgou o seu caminho numa colaboração com Ryuchi Sakamoto para o seu primeiro single em nome próprio, e logo depois assinou um álbum homónimo em colaboração com Conny Plank, Holger Czukay e Jaki Liebezeit - prenúncios abençoados para uma trajectória de bravura e visão que furou, de forma precisa e muito espaçada, pela linha avançada das irrigações da new wave, do pós-punk e do industrial nas décadas de 80 e 90 ao lado de gente dos Einstürzende Neubauten ou DAF, e acelerou passo a partir de 2010 numa dimensão onde as referências a outras músicas se perdem numa dimensão onde o real e o onírico se envolvem.  Tomando a voz como meio primordial, dissolve o canto e a palavra numa neblina de extended techniques, poesia enquanto som, corte, colagem e processamento electrónico, num processo que Voice Hardcore, de 2018, ilustra de forma sublime e assombrada, no título e no som. Paralelamente, trabalha também campos puramente electrónicos em torno do drone e da repetição – vide Virtual Jamming - e abre-se a colaborações pontuais com artistas como Ana da Silva – Island -, Jim O'Rourke e Oren Ambarchi – Patience Soup. Numa altura em que é inegável um certo fascínio generalizado nos meios da música mais exploratória em torno do canto, Phew chega ao OUT.FEST com honra bem recente mas sempre tardia de capa na Wire e um justamente celebrado álbum do ano transacto que enreda a labuta vocal e electrónica num campo puramente expressivo ainda por cartografar, tão insondável quanto fascinante. Como a própria.